CENOPOESIA: UMA FUSÃO DE LINGUAGENS
OU UMA LINGUAGEM EM BUSCA DA ARTE DE SER COM O OUTRO?*
Por Ray Lima
A cenopoesia nasce da necessidade que
a própria arte contemporânea tem em dialogar e interagir com inteligência e
respeito com as mais diversas formas de linguagens, com o outro, o que
consideramos uma carência também humana.Podemos reconhecer que isto não vem de agora, senão de há muito tempo, embora
só mais recentemente tenhamos tido a percepção mais clara de que, assim como um
ser humano, uma linguagem artística, mesmo querendo eximir-se, precisa da
interação com outras para se fortalecer e sustentar-se. E nisto ela acaba por
se reconhecer como singular em sua forma particular de ser, sem anular seu
potencial dialógico nem sua relação de autonomia e interdependência com o
outro. Tampouco pode deixar de se permitir constantes relações com tudo aquilo
que é ou se torna universal na velocidade e complexidade comuns em nosso tempo.
O poder de sustentabilidade de uma arte não estaria em sua capacidade de relacionar-se
com o mundo sem desistir de sua singularidade? Para tanto seria preciso
saber-se o tipo de relação a ser construída ou aceita e até aonde se pode ir.
Por um lado porque as relações são a princípio perigosas, exigem cuidados,
discernimento, capacidade de escolha. Por outro que, neste caso, não serve a
idéia de relação como relação de troca, de mercado. Na relação de troca sempre
há desigualdades, perdas. A relação que propomos aqui deve se constituir como
relação de alta qualidade, onde ninguém perde; ou onde o grau de perda é
insignificante em relação aos ganhos dos que se relacionam - porque se unem por
uma causa, um desejo de aprendizagem e enriquecimento mútuo muito forte e não
por impulso de um desejo de exploração do outro ou por um sentimento de usura.Daí a cenopoesia se assentar bem aos tempos atuais na medida em que se
contrapõe às relações de consumo, dispondo como natureza peculiar essa busca de
integralidade, de diálogo, ao mesmo tempo em que constrói e robustece sua
própria singularidade, fortalecendo sua identidade enquanto linguagem por
natureza híbrida e sêivica. A poesia e ao que a ela vai se incorporando como
teatralidade, musicalidade, cenicidade, plasticidade, reflexibilidade,
pedagogicidade, educabilidade, espetacularidade, etc. dão-lhe um constitutivo
distinto, algo nominavelmente novo e perceptível pelo leitor/autor/espectador
participante. Portanto, a cenopoesia quer ser esse lugar onde as linguagens podem se
encontrar para transler-se, transmetamoforizar-se e transnavegar em outros
territórios e universos da leitura e releitura; dos significados e das
possíveis resignificações do mundo sem sair de seus eixos de navegação. A
mescla é o que a universaliza. E resguardar aspectos fundamentais de cada
linguagem que a ela se soma, se une é o que a torna uma linguagem de força e
graça, muito particular e especialmente atual. Cada linguagem que a ela se
agrega ou se associa é a gota de sangue injetada pelo doador ao anêmico. O que
era há pouco sangue alheio, de outro corpo, corrente e circulante em outras
veias, passa a alimentar outro corpo a partir do bombeamento de um novo
coração, dando seqüência a outra vida, a outra alma, sem a perda da alma nem da
vitalidade do doador. A cenopoesia mais do que fala, expressa. E o faz explicitamente, partindo de um
discurso que por meio de uma linguagem impura, esteticamente modificada, apela
eloqüentemente para as interfaces solidárias e amorosas das linguagens. Ela se
exercita indicando o fim da solidão ou do egocentrismo das linguagens e da
estagnação das correntes estéticas. E ao negar, ou melhor, ao propor o fim
desses estamentos separatistas sugere como caminho a construção de um espaço de
comunhão e encontro das artes, onde os diferentes estão no mesmo lugar,
desfrutando e usufruindo a riqueza coletiva sem abdicar de suas cores e brilhos
inatos; das motivações e propriedades que lhes dão forma e sentido.Se pudéssemos considerar a arte como lugar de encontro do ser com suas
múltiplas possibilidades criativo-inventivas; de ensinar e aprender, refletir e
agir com e sobre o mundo, a cenopoesia seria o lugar de encontro das linguagens
com todas as suas capacidades dialógicas, transitivas e infinitamente
expressivas, transformadoras e autotransformadoras: de criadores e criaturas;
dos praticantes e do mundo onde nascem, vivem, morrem ou se perpetuam os homens
pela força de suas artes.Aprendendo juntos vamos abrindo leques de conhecimentos e práticas mais do que
necessárias para irmos rompendo as fronteiras de nossas limitações. Esses
capões de conhecimentos e saberes isolados que muitos ainda pregam ou tentam
defender não condizem com as potencialidades e possibilidades de uma floresta
inteira com seus biomas e ricas biodiversidades. Por isso, a cenopoesia é um
esforço no sentido de reunir o máximo de linguagens numa só expressão. Daí
podermos por meio dela falar da vida, da cidadania, das coisas do mundo de
forma leve e profundamente reflexiva, questionadora, porém amorosa e
ternamente. Não sei se é popular, mas temos convicção de que é comunicativa,
interativa e deveras humana.Posfácil do Livro Onde Nasce a Poesia? Cenopoesia para crianças. De Ednaldo
Vieira. Maranguape – Ce. 2008
Ray Lima no ARTES NO IL Instituto de Linguagens
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